Mar del Plata, 24 de janeiro de 1971

Chiquérrimo!

Dei uma apertada linda na sua letra, depois que você partiu, porque achei que valia a pena trabalhar mais um pouquinho sobre ela, sobre aqueles hiatos que havia, adicionando duas ou três ideias que tive. Mandei-a em carta a você, mas Toquinho, com a cara mais séria do mundo, me disse que Sérgio morava em Buri 11,[1] e lá foi a carta para Buri 11. Mas como você me disse no telefone que não tinha recebido, estou mandando outra para ver se você concorda com as modificações feitas. Claro que a letra é sua, eu nada mais fiz que dar uma aparafusada geral. Às vezes o cara de fora vê melhor estas coisas. Enfim, porra, aí vai ela. Dei-lhe o nome de Valsa hippie, porque parece-me que tua letra tem esse elemento hippie que dá um encanto todo moderno à valsa, brasileira e antigona. Que é que você acha? O pessoal aqui no princípio estranhou um pouco, mas depois se amarrou à ideia. Escreva logo, dizendo o que você achou.

Valsa hippie

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um modo mais quente do que comumente
[costumava olhar
E não falou mal da poesia como era mania sua de falar
E nem deixou-a só num canto; pra seu grande espanto disse:
[Vamos nos amar…
Aí ela se recordou do tempo em que saíam para namorar
E pôs seu vestido dourado cheirando a guardado de tanto
[esperar
Depois os dois deram-se os braços como a gente antiga
[costumava dar
E cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a
[bailar…
E logo toda a vizinhança ao som daquela dança foi e despertou
E veio para a praça escura, e muita gente jura que se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não
[se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu em paz.

Achados. Organização de Caique Botkay. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002, p. 39.

[1] N.S.: Vinicius se refere à Rua Buri, em São Paulo, onde morava o historiador Sérgio Buarque de Holanda, pai de Chico, com a família. A casa era no no 35 da rua, não no no 11.