São Luís, [1851]

Pedi dona Ana Amélia à tua mãe; mas antes de tudo convém dar-te uma explicação. Não te quero envolver neste negócio, porque sei que é de si melindroso: não te queria falar dele senão quando estivesse feito ou desfeito. Então era um dever, um dever de amizade para contigo, um dever de cortesia para com o irmão daquela a quem pre­tendo. Não queria ter de me queixar de ti, o que é de uma eventualidade tão remota, que apenas é possível, nem também que te agradecer para que no futuro nem ela, nem pessoa alguma da tua família pudesse queixar-se de ti.

Sou fatalista no que diz respeito à minha vida, e resolveu-se-me sempre a fatalidade em fazer por fim o que não quisera; por isso te escrevo, pedindo-te ao mesmo tempo que não tomes neste negócio senão a parte que tomarias sem que antecedesse pedido algum meu, ou como se te fosse eu inteiramente indiferente.

Sabes que não tenho fortuna, e que longe de ser fidalgo de sangue azul, nem ao menos sou filho legítimo; falo-te assim, porque ainda quando eu por natureza houvesse sido e fosse um homem pobre, é esta uma das ocasiões em que a honra, e o pundonor e a própria dignidade exigiriam toda a franqueza da minha parte. Não tenho fortuna, e segundo todas as probabilidades não a terei nunca; porque para isso, como para mil outras coisas, não tenho nem jeito, nem paciência nem cabeça. Não tenho am­bição de poder, talvez mesmo não tivesse possibilidade para a realizar; mas quando as tivesse, não imagino que possa haver interesse nem meu nem de família minha que me extraviem do trilho a que eu, talvez errada­mente, chame o meu destino. É possível que mude de pensar, porém tratamos da atualidade.

Assim, pois, o que eu te proponho será, se o quiseres, não um casa­mento, mas um sacrifício. A que se quiser ligar com a minha sorte terá de se contentar com o que sou, que é bem pouco, com o que valho, que é pouco menos, com o que posso vir a ser ou a valer, que ainda menos pode ser do que isso, e pode vir a ser mais do que me é dado imaginar. É preciso que ela se aventure: terá uma vida de rosas ou de espinhos, viverá para o mundo ou para o sofrimento. A incerteza poderá ser um incentivo para que ela o aceite, um motivo para que tua família o rejeite – eu por franqueza o digo.

Estas e outras reflexões tu as farás contigo, tu as dirás, se o qui­seres. O que te posso asseverar é que em falta de abundância, de luxo ou de riqueza, que lhe não posso dar, terá tua irmã um coração que a ama, e um homem que a estima, e que a estima tanto que a pede com a quase certeza de que vai sofrer uma repulsa.

O que espero, meu Vale, é que tua mãe me responda brevemente; o que te peço, é que mostres esta carta a dona Ana, no caso de que tua mãe se resolva afirmativamente. Sendo negativa, sentirei, e muito, não por orgulho ofendido, senão porque o desejava deveras. Não me queixarei nem teria motivos para isso. Conheço que sem má vontade, mas só por estas razões poderia qualquer pessoa aceitar ou rejeitar sem vexame a minha proposta, e ainda sem desar para mim. Bem podes crer, não haverá forças que me façam esquecer que sou teu amigo e do Teófilo[1] e da família de ambos.

Farei votos pela felicidade de todos, e para que em outra parte e com outra pessoa possa tua irmã achar a ventura que lhe desejo e de que é merecedora.

Crê-me.

Teu do coração

Antônio Gonçalves Dias

Gonçalves Dias. Poesia completa e prosa escolhida. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1959, pp. 812-813.

[1] N.S.: Alexandre Teófilo de Carvalho Leal, amigo de Gonçalves Dias. Era primo e cunhado de Ana Amélia Ferreira do Vale, a grande paixão do poeta.