Porto Alegre, 23 de setembro de 1974

Meu caro Frei Betto:

Foi com grande alegria que recebi suas Cartas (1972), que estou lendo aos poucos com maior prazer e emoção. Havia muito que andava ansioso por notícias suas. Nunca fiquei sabendo se recebeu minha segunda remessa de livros, que dirigi em seu nome ao presídio. Creio que foram dois pacotes, num total de oito ou dez volumes, não me lembro bem. Mas isto é um pormenor sem importância. O que importa é saber de sua liberdade.

Sua dedicatória nas cartas a este seu amigo é muito generosa e estimulante. Aqui vamos na velha vida, sempre movimentada. Detesto os aspectos festivos da literatura, a saber, academias, medalhas, títulos honoríficos. Não faço a chamada “vida social”. Há muito queimei simbolicamente a última gravata. No entanto, tenho contato com muita gente, que vem a nossa casa. Há noites em que temos mais de vinte e até trinta visitantes. Por outro lado, meu filho Luís Fernando, que é excelente cronista e caricaturista, tem lá os seus colegas e amigos que de vez em quando organizam aqui em casa os seus jantares chineses. A metade americana de nossa família está no Brasil, aqui em Porto Alegre, todos felizes, o genro trabalhando na sua profissão (físico e matemático, especialista em análises de sistemas) – enfim, tudo bem. Tomo minhas precauções no que diz respeito ao coração, que vai se portando bem, contanto que eu tome todos os remédios que o médico me receita, evite emoções e me comporte de acordo com a minha idade. No momento estou escrevendo o segundo tomo de minhas memórias, Solo de Clarineta. Haverá um terceiro. Com essa trinca espero encerrar um ciclo de minha vida literária e depois, bom depois, começar outro, se a saúde ajudar, se as veias não me estiverem demasiadamente endurecidas etc. etc.

Acervo Erico Verissimo/IMS