São Paulo, 14 de julho de 1932

Meu Julinho,

Depois da conversa com você, encontrei na porta da estação Marcos Ribeiro dos Santos, que amavel­mente se ofereceu para qualquer coisa que eu precisasse lhe mandar. Aproveitei o oferecimento no ar e já vai aqui esta mal traçada missiva e roupas, escova de dentes, pasta etc., tudo de que você precisa por aí. Chegando em casa de mamãe, depois da telefonada, encontrei o Mendonça, que me disse estar você radiante e sujíssimo. Que continue radiante é o que desejo, agora sujo, por favor, não! Herói, mas limpo!

Mendonça, com aquele exagero conhecido, contou da sua importância. Disse-me ele que você é o ministro do Exterior do quartel G. Você, Julinho, estou convencida, está como quer, nasceu para isso. Pena é que eu não tenha nascido para mulher de herói. Infelizmente eu sou o oposto disto tudo. Sou, como você tem proclamado muitas vezes, o tipo de burguesa. Não me entusiasmam heroísmos. Quero você para mim e para os meus tresinhos.

Não me conformo com sua ausência. Tenho uma saudade louca sua e um ciúme ainda maior do que a saudade. Tenho ciúme da Pátria, do Isidoro,[1] do Euclides,[2] de todo mundo que está tirando você de perto de mim. E ainda tenho ciúme de todas as sirigaitas que andam por aí afora atrás de vocês todos, jogando flores até por onde vocês passam. Você naturalmente vai me achar de um egoísmo atroz! Paciência, filho, nasci assim, e se disser a você que estou contente e conformada, minto. Sem pensar mais na minha pessoa, sinto mesmo que você esteja longe por causa da Pátria. Acho que aqui você prestaria maiores serviços a ela do que aí. Haja vista o desastroso telegrama do Morato[3] anteontem! Com você aqui isto não teria acontecido! Você não calcula a péssima impressão causada pelo dito! Quando soube que já houve combates e bombas por aí, gelei! Como você me engana! Jurou pelo que eu quisesse que vocês não corriam risco algum!

Não pude falar franco com você pelo telefone. Há cinco dias que São Paulo está de pé e mais do que nunca São Paulo está só! É incrível! Sinto isto amargamente! Não posso ver, sem profunda mágoa, brasileiros fazerem papéis infames! E como acabará isto, Julinho? Tremo de medo e ao mesmo tempo tenho esperanças de vitória mesmo só dos paulistas.

O ânimo da família é otimista, apesar dos nervos de todos. Na cidade o entusiasmo é cada vez maior. Os postos de alistamento estão repletos e todo mundo quer seguir. Os nossos pequenos vão bem. O Júlio meio jururu com a sua partida.

Sempre que puder dê notícias e de vez em quando me chame para uma prosinha, que é a única coisa que me consola. Quando será a sua volta? Temo que ainda esteja muito longe. Beijos dos três pequenos.

Sirva à Pátria, mas antes dela lembre-se que você tem três filhos, o Estado e uma mulher cacete que o adora e lhe manda muitos e muitos beijos.

Marina

P.S.: Pregue esta medalha na camisa e não tire nunca.

Cartas do exílio: a troca de correspondência entre Marina e Júlio de Mesquita Filho. Organização de Ruy Mesquita Filho. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2006, pp. 27-28.

[1] N.S.: Isidoro Dias Lopes (1865-1949), militar e político brasileiro. Com a derrota da revolução constitucionalista, que ajudou a organizar, foi deportado para Portugal.
[2] N.S.: Euclides Figueiredo (1883-1963), militar e político brasileiro. Preso e exilado após o movimento constitucionalista, tornou-se opositor do Estado Novo e de Getúlio Vargas.
[3] N.S.: Francisco Morato (1868-1948), político brasileiro, foi um dos responsáveis pela Frente Única de 1932, precursora do movimento constitucionalista em que teve papel de destaque.