Rio [de Janeiro], 17 de janeiro de 1942

Meu caro João Cabral,

A falta de resposta deve implicar consentimento, não desaprovação. Como você pensa de outro modo, quero manifestar-lhe expressamente minha opinião sobre a inclusão do seu livro na coletânea de Vicente do Rego Monteiro.[1] Acho que você deve publicar. Sou de opinião que tudo deve ser publicado, uma vez que foi escrito. Escrever para si mesmo é narcisismo, ou medo disfarçado em timidez. Sem dúvida, todo sujeito honesto escreve por necessidade, mas nessa necessidade está latente a ideia de comunicação. Os outros que gostem ou não gostem. A reação do público evidentemente interessa, mas não deve impressionar muito o autor. Daqui a vinte, trinta anos que ficará dos nossos atuais pontos de vista e juízos críticos? As obras terão que ser examinadas de novo. E então haverá uma importância maior no julgamento, ao qual, provavelmente, não estaremos presentes.

Como você vê, eu acho que se deve publicar tudo, menos pelo valor da experiência do que pela operação de extravasamento da personalidade, de outro modo cativa, e pela tomada de contato com o mundo exterior, que é fértil em sugestões e excitações para o autor. Se lhe desagradar a opinião dos jornais e revistas, não publique para eles; publique para o povo. Mas o povo não lê poesia… Quem disse? Não dão ao povo poesia. Ele, por sua vez, ignora os poetas.

É certo que sua poesia tem muito hermetismo para o leitor comum, mas se você a faz assim hermética porque não pode fazê-la de outro jeito, se você é hermético, que se ofereça assim mesmo ao povo. Ele tem um instinto vigoroso, quase virgem, e ficará perturbado com as suas associações de coisas e estados de espírito, que excedem a lógica rotineira. Já meditou na fascinante experiência que seria fazer livros de custo ínfimo, com páginas sugestivas, levando a poesia moderna aos operários, aos pequenos funcionários públicos, a toda essa gente atualmente condenada a absorver uma literatura de quarta classe porque se convencionou reservar certos gêneros e tendências para o pessoal dos salões e das universidades?

Eu acredito de certo que sua fase poética atual é fase de transição que você, com métodos, inclusive os mais velhos, está procurando caminho, e que há muita coisa ainda a fazer antes de chegarmos a uma poesia integrada ao nosso tempo, que o exprima limpidamente e que ao mesmo tempo o supere. Não devemos nos desanimar com isso. Desde que estejamos vivos, as experiências se realizarão dentro e fora de nós, e haverá possibilidade de progredir na aventura poética. O essencial mesmo é viver e acreditar na força formidável da vida, que é nosso alimento e nosso material de trabalho.

Estou sentindo um prazer tão grande em escrever-lhe esta carta. Não a reli e acredito que esteja muito desordenada e cheia de afirmações insignificantes, mas o prazer vem da conversa com você, sobre temas que me são caros, e na certeza de que há em você bastante simpatia humana para aceitar este lero-lero.

Ainda não escrevi ao Otávio de Freitas Júnior. Que vergonha! Mas farei isso qualquer desses próximos dias.

Afinal você não passou pelo Rio. Ou passou e não me procurou? Mande notícias.

Um abraço do

Carlos Drummond

P.S.: Obrigado pela dedicatória![2] Ia-me esquecendo.

Bem traçadas linhas: a história do Brasil em cartas pessoais. Organização de Renato Lemos. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2004, pp. 358-359.

[1] N.S.: Pedra do sono, livro de estreia de Cabral, acabou sendo impresso de forma independente em maio de 1942.
[2] N.S.: Cabral dedicou Pedra do sono a Drummond.