Paris, janeiro de 1947

Minhas queridas,

Apesar de não ter escrito tanto tempo, estou sempre pensando em vocês, minhas queridinhas. Não escrevo porque minha vida aqui tem sido mais movimentada do que é possível e eu queria escrever muito, mas só poderia superficialmente. Não sei se estou louca por Paris. É difícil dizer. Com a vida assim, parece que sou “outra pessoa” em Paris. É uma embriaguez que não tem nada de agradável. Tenho visto pessoas demais, falado demais, dito mentiras, tenho sido muito gentil. Quem está se divertindo é uma mulher que eu não conheço, uma mulher que eu detesto, uma mulher que não é a irmã de vocês. É qualquer uma. É por isso também que não tenho escrito. Não pensem que Clarice está se divertindo tanto que não tem tempo de escrever. Tempo eu tenho, mas escrever para vocês pediria uma concentração que estou evitando – porque se eu me concentrar uma vez, passo a não querer ver tanta gente e a estragar o programa de Maury. Eu amo vocês. E Paris é ótimo e até conheci pessoas ótimas. Conhecemos Santiago Dantas, que é inteligentíssimo. Conheci melhor Augusto Frederico Schmidt e a mulher dele, almocei hoje com ela. Uma noite dessas Santiago Dantas nos convidou e ao Schmidt e mulher e a filha de Tristão de Athayde para jantar – terminamos a noite às cinco da manhã e todos bastante bêbados. A mulher de Schmidt me disse hoje que quando eu bebo eu pareço um anjo. Minhas queridas, se vocês estives­sem comigo, como eu seria feliz! Feliz! Vocês estão bem de saúde? Por favor, […][1] sejam felizes, pelo amor de Deus. Entendam o motivo por que não lhes escrevi – é porque gosto demais de vocês para escrever apressadamente. Temos ido a teatros ótimos. Hoje, no almoço com Yedda,[2] mulher do poeta, estava sentado junto (foi no Ritz) aquele ator de cinema Victor Francen.[3] Ele é igual à tela. Temos visto muitos bolsistas, somos amigos de Ceschiatti, o escultor brasileiro que ganhou primeiro prêmio de viagem. Temos estado o dia inteiro com Bluma, de quem gosto muito. Falei muito com ela de vocês. Fomos ouvir Madeleine Gray. Não sei se ela estava doente, mas ela cantou horrível. Vimos Electra, de Eugene O’Neill, uma beleza. – Digam a Prescila o seguinte: Maury falou com o cônsul de novo e com outras autoridades, a resposta é: não. É impossível. O cônsul respondeu que tudo depende de autorização do Brasil. Que no momento em que vier uma autorização, por telegrama ou não, ele dá imediatamente o visto. Não é possível insistir mais. A família vai bem, com óti­mo aspecto. Perguntei mil vezes se eles precisam de alguma coisa, de dinheiro, roupa ou comida: eles responderam que têm tudo isso e não precisam. Prescila deve fazer tudo no Brasil.

Minhas queridas, recebam meu abraço e me abracem. No dia 4 de fevereiro, volto para Berna. Me escrevam, me escrevam,

Clarice mil vezes para vocês.

Clarice Lispector. Correspondências. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, pp. 115-116.

[1] N.E.: Palavra ilegível.
[2] N.S.: Yedda Schmidt, casada com o poeta Augusto Frederico Schmidt.
[3] N.S.: Fictor Francen (1999-1977), ator belga.