Rio [de Janeiro], 19 de outubro de 1968

Queridos amigos Pietr e Joanita,

Hoje foi a missa de sétimo dia por alma do nos­so bardo, rezada na Candelária. Lá estavam todos os velhos amigos: Graciema, Rodrigo [Melo Franco de Andrade], Prudente [de Morais, Neto], [Gustavo] Capanema, Carlos Drummond, [Jorge] Laclette, Rachel [de Queiroz], Chico Barbosa, Nazareth [Costa], Odilo [Costa Filho] e Di Cavalcanti – para só mencionar os mais chegados. Muita gente de imprensa, da Academia – além de vários outros amigos e da família de Manuel [Bandeira]. Os jornais desde o dia da morte estão cheios de glorificações, e o fa­to de se saber terminados os sofrimentos do nosso amigo é o maior consolo para todos os que o admiravam e queriam. Ele vinha arrastando uma vida de confinamento, isolamento e tristeza desde que completou os oitenta anos e que passou, aos poucos, a ser inteiramente dependente. Depois que ele teve um acidente vascular e que perdeu os sentidos, tomou verdadeiro pavor de sair sozinho e com isso foi ficando sem autonomia e numa grande solidão, pois nós tínhamos oportunidades muito escassas de obter o consentimento para vê-lo. No dia 23 do passado, ele escorregou vindo do banheiro e fraturou o colo do fêmur direito – acidente geralmente fatal na sua idade. Tudo se agravou com as hesitações quanto ao tratamento e aos empecilhos que tiveram os seus médicos no sentido de socorrê-lo de modo mais adequado. Uma semana ou menos antes de morrer, teve de mudar-se de casa de saúde – devido ao comportamento da sua acompanhante – e foi para o Hospital Samaritano, à rua Bambina, onde morreu domingo, 13 do corrente, entre uma e duas da tarde. A causa imediata da morte do Manuel foi anemia aguda devida à hemorragia proveniente de úlcera gástrica, começada com pequeno sangramento, logo depois de seu transporte para o Samaritano, e subitamente agravada e tornando-se hematemese mortal. Fui o primeiro dos amigos a chegar ao hospital e, logo depois, Graciema e Rodrigo, Dolores e Carlos Drummond. Da família, lá havia a Helena, e logo depois chegou também o Maurício. O corpo foi transportado para a Academia de Letras, e foi comovente o número de rapazes e moças que acorreram dos colégios para vê-lo no dia seguinte de seu enterro. Esse foi às 14h, às quatro da tarde, no Cemitério de São João Batista, no mausoléu da Aca­demia de Letras. Eis aí, meus amigos, as horas, datas e ocorrências mais importantes que transmito, porque tenho certeza de que Joanita há de querer conhecê-las, e que peço sejam passadas à Guita.[1] Essa é a verdade, diferente do que dizem os jornais, vão repetindo os mal informados e que não testemunharam nada. Os detalhes, só de viva voz, e esses espero dar a vocês muito breve. Devemos ir à Europa no ano próximo e já reservamos passagens por mar, saindo daqui a 9 de março. Pretendemos nos demorar em Lisboa alguns dias e teremos ocasião de muito conversar.

Não sei se vocês tiveram informação da morte de monsenhor Nabuco, ocorrida antes de ontem.

Recebam a visita muito carinhosa da Nieta e o nosso afetuoso abraço

do

Nava

Dos amigos mais chegados, estava também na missa a Cleonice Berardinelli. Magu[2] não pôde aparecer, pois estava de cama, com uma gripe fortíssima.

N.

Arquivo pessoal Elvia Bezerra

[1] N.S.: Guita Blank, irmã de Joanita Blank. As duas eram filhas de Fréddy Blank, a mulher que Manuel Bandeira amou durante toda a vida.
[2] N.S.: Maria Augusta Costa Ribeiro, viúva de José Claudio Costa Ribeiro, primo de Manuel Bandeira e para quem o poeta fez o poema “José Claudio”.