Rio de Janeiro, 23 de agosto de 1900

Meu caro Henrique Chaves,

Que hei de eu dizer que valha esta ca­lamidade? Para os romancistas é como se perdêssemos o melhor da família, o mais esbelto e o mais válido. E tal família não se compõe só dos que entraram com ele na vida do espírito, mas também das relíquias da outra geração e, finalmente, da flor da nova. Tal que começou pela estranheza acabou pela admiração. Os mesmos que ele haverá ferido, quando exercia a crítica direta e cotidiana, perdoaram-lhe o mal da dor pelo mel da língua, pelas novas graças que lhe deu, pelas tradições velhas que con­servou, e mais a força que as uniu umas e outras, como só as une a grande arte. A arte existia, a língua existia, nem podíamos os dois povos, sem elas, guardar o patrimônio de Vieira e de Ca­mões; mas cada passo do século renova o anterior e a cada gera­ção cabem os seus profetas.

A antiguidade consolava-se dos que morriam cedo considerando que era a sorte daqueles a quem os deuses amavam. Quando a morte encontra um Goethe ou um Voltaire, parece que esses grandes homens, na idade extrema a que chegaram, precisam de entrar na eternidade e no infinito, sem nada mais dever à terra que os ouviu e admirou. Onde ela é sem compensação é no ponto da vida em que o engenho subido ao grau sumo, como aquele Eça de Queiroz − e como o nosso querido Ferreira de Araújo, que ontem fomos levar ao cemitério −, tem ainda muito que dar e perfazer. Em plena força da idade, o mal os toma e lhes tira da mão a pena que trabalha e evoca, pinta, canta, faz todos os ofícios da criação espiritual.

Por mais esperado que fosse este óbito, veio como repentino. Domício da Gama, ao transmitir-me há poucos meses um abraço de Eça, já o cria agoni­zante. Não sei se chegou a tempo de lhe dar o meu. Nem ele, nem Eduardo Prado, seus amigos, terão visto apagar-se de todo aquele rijo e fino espírito, mas um e outro devem contá-lo aos que deste lado falam a mesma língua, ad­miram os mesmos livros e estimavam o mesmo homem.

Revista Brasileira. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2004, pp. 307-308.