[São Luís, 1851]

A dona Lourença Ferreira do Vale,

Estou por momentos à espera do vapor, em que hei de partir para o Ceará: por este motivo, e porque a minha demora já tem sido bastante longa, não posso ir a Alcântara pedir-lhe as suas ordens nem para falar-lhe de um negócio que me interessa, e sobre o qual me permitirá de a ocupar por alguns momentos. Parecer-lhe-ei importuno e impertinente: por isso também para escrever-lhe esta, preciso de recordar-me da bondade suma com que me tem tratado.

Para lhe falar sem rodeios, a que estou pouco acostumado, eis o de que se trata: peço-lhe dona Ana Amélia em casamento. Fazendo-lhe semelhante pedido, quero, e é do meu dever, ser franco. Não tenho nem a ambição de figurar na política do meu país nem o amor de fazer fortuna, e quando se desse o contrário faltar-me-ia ainda a habilidade, o jeito para alcançar ambas, ou qualquer destas coisas. Assim parece-me que nem chegarei a ter mais do que hoje tenho, sendo difícil que venha a ter menos, nem valerei mais do que hoje valho, que é bem pouco. Não desconheço que outros, e decerto melhores partidos, se oferecerão para sua filha: a única compensação que lhe posso oferecer, mas que não sei se a julgará suficiente, é que me parece ter conhecido quanto ela por suas qualidades se recomenda, e querer lisonjear-me de que a trataria quanto melhor pu­desse, bem que não quanto ela merece. Rogo-lhe, pois, que não veja neste meu pedido atrevimento da minha parte; porém o desejo grande que tenho de me ver ligado com uma família, a quem por tantos motivos respeito e sou obrigado, e a uma pessoa a quem desejaria ter por companheira.

Sendo afirmativa a sua resposta, voltarei do Rio, tendo assegurado de alguma forma o meu futuro, e o mais breve que puder para aceitar o seu favor, e beijar-lhe as mãos por ele. No caso contrário posso asseve­rar-lhe que acostumado de há muito a sofrer reveses na vida, não será este dos menores. Procurarei persuadir-me que algum motivo mais forte que a sua natural bondade terá obstado ao seu consentimento, e consolar-me-ei com a lembrança de que me esforcei por alcançar a mão de sua filha, se não fui digno de a merecer.

Anais da Biblioteca Nacional: correspondência ativa de Gonçalves Dias. Rio de Janeiro: Divisão de Publicações e Divulgação de Biblioteca Nacional, 1971, p. 132.