São Paulo, 9 de janeiro de 1980

Mãe,

Sem piadinha. Vou me abrir.

Eu tenho acordado de uns seis meses para cá sem ânimo, sem esperança, sem vontade de brilhar, de lutar, de mudar a Lucinha,[1] o Brasil, o mundo, o universo!

Muitas noites eu não durmo, assombrado. Pensando assim: tô ficando velho, é isso. Talvez o pessoal odara[2] tenha razão e eu já seja coisa antiga.

Passo então a pensar angustiado em como enfrentar minha velhice tomando fortificantes, complexo B, mudando meu guarda-roupa.

Bão.

De repente eu percebi que o mano Betinho e a Maria[3] também estão de farol baixo.

Aí, anteontem, pego o jornal e vejo o resultado da pesquisa Gallup que dizia que 71% dos brasileiros estão pessimistas. Há uma epidemia de desânimo e impotência assolando o país nesse exato momento!

O atual sistema, para governar, nos fez pessimistas. E pessimista não dorme, não faz amor, não faz partidos, não incomoda, não reclama, não briga.

Que diabo de país é este?

Pessimistas de todo o Brasil, uni-vos! Somos a maioria! Às ruas!

Henfil

[1] N.S.: Lúcia Lara foi companheira de Henfil.

[2] N.S.: Henfil cunhou a expressão “Patrulha Odara” em referência ao grupo tropicalista baiano, em oposição à “patrulha ideológica”. Segundo o cartunista: “Eu é que inventei que eles, os baianos, eram a Patrulha Odara, porque queriam patrulhar a crítica que se fazia. Ora, crítica é um negócio que faz todo mundo crescer. A preocupação dos chamados críticos era com o crescimento desses artistas – que são importantes. Caetano Veloso é importante. Gilberto Gil é importante. São tão bons que não poderiam estar fazendo aquilo.”

[3] N.S.: Herbert José de Sousa, irmão de Henfil e casado com Maria Nakano, com quem teria dois filhos, foi sociólogo e ativista dos direitos humanos brasileiros.

HENFIL. Cartas da mãe. Rio de Janeiro: Codecri, 1980.