Vittel [França], 29 de junho de 1956

Afonsoca,

Estou tendo a surpresa de receber de Belgrado esta carta que te enviei para Roma e tem o carimbo de 23 de fevereiro. A Embaixada em Roma, ao invés de procurar recambiá-la para o endereço que porventura hajas ali deixado (se o deixaste), acabou, quatro meses depois, por devolvê-la…

Não sei de que carta se trata. Pode ser que eu tenha enviado cópia para Mônaco, ou Zurique – não sei, não me lembro. Mando-te assim mesmo como me voltou às mãos, fechada. E repara que eu havia pedido: “Prière de faire suivre”.[1]

Menina[2] fala-me sempre no prazer que você e Anah[3] lhe deram. Conta-me, maravilhada, aquele caso da cômoda que ela falou, e que você logo descreveu – de pau vermelho, com tantas gavetas, e maçanetas assim e assado etc. Só desta vez é que ela ficou conhecendo o peso da tua inteligência e cultura. Confessou-me que ficou maravilhada. E eu então me queixei de ela só aceitar tardiamente as coisas mais simples de que eu lhe falo durante quinze, vinte, trinta anos… “O nº. 1 do Brasil” etc.

Estou com a Menina em Vittel. Tomo os banhos carbogasosos (gosto muito deste adjetivo, acho lindo), recebo massagens na pança, faço a ginástica passiva no salão de mecanoterapia, tomo religiosamente a água de Vittel às horas prescritas, e dessa forma espero contribuir para adiar a aterosclerose que ameaça os obesos e comilões. A propósito de obesidade, nós, antigos TBC,[4] somos vítimas do benefício que tivemos com a cura: aprendemos que é preciso sair da mesa tendo comido mais do que o apetite pedia, e agora é o contrário, ensinam-nos a sair da mesa com uma razoável fome… E tudo sem sal!

Foi uma pena não teres ficado mais tempo em Paris.

Creio que o mesmo desencontro vai dar-se com o Peregrino [Júnior], que chega a Paris na 2ª quinzena de julho, quando exatamente estou partindo, pois devo estar em Belgrado a 18 de julho.

Temos tanto que conversar! Mas confessa que o teu itinerário, depois do inverno italiano, foi zigue-zague.

Meteste na cabeça da Menina a ideia de que a casa do Tobias Monteiro é muito boa para nós, e ela agora só fala nisso. Ela vive fazendo castelos e de vez em quando cristaliza a obsessão num determinado projeto: ora a fazenda do pai, hoje em mãos alheias, ora o Caxinguelê (a minha solidão da Barra da Tijuca), ora uma casa em Petrópolis…

Quando a gente passa anos no estrangeiro, e não tem filhos, ou mesmo parentes chegados para ocupar a casa predileta – a casa sonhada para o fim da vida –, o melhor é não comprar coisa alguma. Guardam-se uns cobres para fazer aquisição no momento oportuno. A casa que me agradou muito em 1943, em Petrópolis, e que eu devia ter comprado, é a que pertencia ao Octavio Tarquínio de Souza. Enfim, estou de acordo com que é lá, em Petrópolis, que devemos cultivar o nosso último reumatismo e escrever as derradeiras páginas…

Dá-me notícias tuas.

Teu filho[5] não quer vir para Belgrado? Não me respondeu. Já fui informado de que apegou-se ao Rio e prefere ficar aí. ESTÁ ERRADO, do ponto de vista diplomático. Belgrado seria para ele mais importante do que dez anos de Secretaria do Estado. Em Belgrado, capital dos mil espelhos políticos, todo o futuro do mundo se reflete. Estou cada vez mais fascinado por tudo o que vejo, sinto, adivinho e aprendo nos Bálcãs. Deixo as grandes capitais da Europa para os grã-finos e os bem apistolados…

Para ti e Anah, o afetuoso abraço do velho

Ribeiro

Arquivo Afonso Arinos de Melo Franco/ Academia Brasileira de Letras

[1] N.S.: “Favor encaminhar”.
[2] N.S.: Apelido de Ana Pereira Ribeiro Couto, mulher de Ribeiro Couto.
[3] N.S.: Ana Guilhermina Rodrigues Alves Pereira, mulher de Afonso Arinos, conhecida como Anah.
[4] N.S.: Tuberculose, doença que atingiu Ribeiro Couto e Afonso Arinos.
[5] N.S.: Afonso Arinos de Melo Franco (1930-), diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras.